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[CRIAÇÃO] "Valsas... experimentos rodrigueanos"

“Três Diretores. Duas Referências. Uma Intérprete” pode ser uma boa definição para o espetáculo “Valsas – experimentos rodrigueanos”, Trabalho de Conclusão de Curso em Teatro da bailarina e atriz Laís Rivera, do qual sou um dos dramaturgos e diretores convidados, compartilhando essa criação com Arnaldo Alvarenga e Gabriela Christófaro. Uma honra, um deleite, um prazer, um aprendizado.

O convite-proposta de Laís é extremamente instigante: inspirado em procedimentos de criação de Pina Bausch, o espetáculo foi construído a partir de perguntas feitas à intérprete, propostas por nós três, separadamente, cujas respostas cênicas se juntavam aos poucos àS seleções de fragmentos do único monólogo de Nelson Rodrigues, “Valsa nº 6”. A peça, escrita especialmente para sua irmã Dulce Rodrigues e dirigida por Henriette Morineau, tem como solista a personagem Sônia, uma menina assassinada aos 15 anos que não tem consciência da própria morte, ou, nas palavras de Antônio Guedes “um personagem partido em mil pedaços, mas inteiro a cada instante”.

Cada diretor tinha como horizonte criar uma cena de aproximadamente 15 minutos (no total, o espetáculo teria em torno de 40 min, o que se confirmou). Só fomos conhecer toda a criação quando as cenas estavam estruturadas. Qual não foi a surpresa, a emoção, ao vermos as singularidades dos olhares sobre a história de Sônia e ao mesmo tempo reconhecermos detalhes e recorrências de elementos de uma cena em outra. Graças à condução de Laís, nosso principal meio de contato para além de Nelson e Pina, e ao imponderável do ato criativo, a dramaturgia do espetáculo ganhou uma delicada costura, que parte do teatro para desaguar na dança. Só vendo para saber dessa fineza.

Para mim, havia a novidade de criar um espetáculo no encontro do teatro com a dança, experiência inédita e que foi uma grande descoberta e aprendizado. Escrever também através do movimento, de um corpo em performance, ampliou minha pesquisa sobre a escrita em cena, sobre processos e procedimentos de criação, sobre a linguagem narrativa-performativa e a cena como experiência de comunicação entre intérprete e espectador. O trabalho possibilitou a realização de um ensaio compartilhado de criação com os integrantes do Núcleio de Estudos em Estéticas do Performático e Experiência Comunicacional (NEEPEC), grupo que estou coordenando junto ao Prof. Carlos Mendonça na FAFICH/ UFMG, quando algumas questões teóricas discutidas nos encontros ganharam o contraponto de um objeto empírico ao vivo, em processo, sendo construído junto à fruição e ao pensamento.

Tem sido um retorno muito feliz à “Valsa nº 6”, da qual dirigi minha irmã Glauce Guima em uma cena de cinco minutos, em 1997. Ela tinha 15 anos, a mesma idade da personagem rodrigueana, e foi seu primeiro trabalho em teatro. Quando nos falamos, Glauce recobrou o fragmento que utilizamos e posteriormente sugeri à Laís com o início da nossa cena, como uma homenagem silenciosa que agora se revela: “Uma noite foi até interessante...”. Para ela era a "cena da bacia". Para mim era "a cena do rosto na parede". Imagens, lembranças, memória que se reavivam.

Acompanhar o desenvolvimento de Laís, uma bailarina-atriz tão delicada, ao mesmo tempo firme em suas convicções, ressaltaram para mim suas qualidades como intérprete-artista-pesquisadora. Nossa cena, a primeira do espetáculo, tem como proposta “Uma Cena em jogo, uma Valsa entre Nelson Rodrigues e Pina Bausch, uma Personagem entre a infância e a adolescência, entre o céu e o inferno, entre a lucidez e a loucura. Uma Intérprete entre o teatro e a dança, entre um movimento e um gesto, entre um personagem e outro, entre uma fala e uma ação. Um Diretor entre a criação e a efemeridade de um giz riscado sobre um piso de madeira.”.

Então, cá estou agora entre Nelson e sua irmã Dulce, entre eu e a minha irmã, entre uma bailarina-atriz e uma personagem, entre o teatro e a dança, entre Nelson Rodrigues e Pina Bausch. Agradeço à Laís, uma artista inteligente, sensível e educadíssima, e ao Arnaldo e à Gabi pela generosidade e parceria na criação do espetáculo, que é uma poesia.

Dedico essa cena a Glauce Guima.

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