02/02/2020
DIÁRIO DO ROMANCE #13 2 de fevereiro de 2020 ou 02/02/2020. Dia de Iemanjá, orixá conhecida como Rainha do Mar, Odoyá! Vontade de estar na praia, na Bahia, fazendo oferendas, cantando e dançando. Nunca fui à festa em Salvador, mas ainda é um desejo, espero realizá-lo no próximo ano. A data de hoje, curiosamente, forma um palíndromo (grafia que pode ser lida também da esquerda para a direita) como 02 02 2020, a penúltima do século XXI com apenas dois números (a última será 22 02 2022). Depois dessa, dificilmente algum de nós presenciará, estará no próximo século (21 12 2112). Por isso, achei importante registrar que presenciamos mais um palíndromo de data, esperando poder ver o próximo.
Para o mundo espiritual, místico e esotérico, o dia de hoje tem grande potência energética exatamente por seu palíndromo, podendo ser aberto um portal de grande transformação para os habitantes da Terra, carregado de forte energia de limpeza. Para a numerologia, a soma dos algarismos é 8, que representa o infinito, a potencialização de tudo o que vamos viver neste ano, e número 2 que se repete desperta a sensibilidade, a delicadeza e a gentileza. As indicações apontam que a compreensão, a cooperação e a empatia devem se fazer cada vez mais presentes em nossas ações e palavras, para seguirmos um caminho de luz e evolução espiritual. Independente das suas crenças (eu acredito!), são bons indicativos de serem meditados e praticados, não acha?
Engraçado como as energias se encontram, se tocam, no mundo invisível e paralelo do qual não temos ainda tanto conhecimento. Justamente hoje que voltei ao expediente de trabalho no romance @acasadasenhorah, onde revisei e alterei 4 novos capítulos:
56. UMA CASA TÃO LINDA!
57. JOVENS TARDES DE SÁBADO
58. UM ABRIGO, UM REFÚGIO
59. OS MALES DO CORPO, AS DORES DA ALMA
No segundo e terceiro capítulos do dia, novos personagens chegando à Casa da Senhora H, uma jovem atriz e jornalista (Ana Lucia Vasconcellos) que interpretava Electra com seu grupo de teatro, que depois levou dois amigos para conhece-la, um jovem escritor e jornalista gaúcho (Caio Fernando Abreu - foto) e um crítico e professor literário (Leo Gilson). Uma das coisas que mais os marcou nos primeiros encontros com Hilda foi a diversidade de assuntos em torno dos quais giravam as conversas, de literatura à metafísica, da astronomia ao ocultismo.
Hilda e Caio, particularmente, estudavam a fundo Astrologia, interessavam-se por mapa astral, ela chegou a fazer o dele (em pesquisas no Google é possível encontrar). De qualquer maneira, Ana Lúcia e Caio deslumbraram-se com a aura e os mistérios da Casa do Sol, naquela época, fim dos anos 1960, ainda sem luz elétrica e iluminada por lampiões a querosene, um espaço-tempo muito diferente, ressaltado pela presença inesquecível e sedutora da escritora.
Para a escrita também recorri à minha dramaturgia do “EuCaio”, sobre a qual mencionei em outro diário, que versa sobre o tempo em que Caio Fernando Abreu viveu com Hilda na Ditadura Militar. Os textos vão se encontrando e a trama vai se tecendo múltipla. Compartilho então um trecho do que escrevi hoje:
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UM ABRIGO, UM REFÚGIO. Em uma das jovens tarde de sábado, Anuska foi acompanhada de dois amigos, um crítico literário e um amigo de redação. A Poeta, como sempre, agradou-os, sempre disponível a conhecer novas pessoas, sendo absurdamente gentil e generosa. O jovem tímido gaúcho, muito magro e cabeludo, era rapidamente seduzido pela aura deslumbrante da escritora, boa feiticeira que captava a essência de seus interlocutores, atraindo-os e fazendo-os ficarem à vontade. A ele, que desejava ser mago e estudava seriamente Astrologia, interessaram sobretudo as experiências míticas que a escritora relatava, vibrava com as formas de ocultismo que ela praticava livremente, sessões de mesa branca, as presenças que percebia na Casa, o homem de terno branco, os versos que lhe chegavam do alto. Irmanaram-se na paixão de ambos por Garcia Lorca.
O crítico literário, por sua vez, já sabia da fama e talento da Senhora H e, num curso que ministrava sobre teoria literária, em que estavam como alunos Anuska e o jovem gaúcho, ao ouvir dela o comentário de que conhecia a escritora, foi logo pedida para apresentá-lo. O Crítico, entusiasmado porque a admirava e a considerava uma grande Poeta, restava apaixonado no sofá de couro da casa, enquanto a ouvia ler seus poemas. Deu-lhes exemplares de livros autografados, como costumava fazer com quem não os encontrava nas livrarias (uma raridade), e firmou amizade com os amigos de Nalu. Assim era a Casa, os habituês traziam novos, que se tornavam habituês, que traziam novos, e aos poucos o senso de comunidade que ela pretendia para a casa começava a se engendrar, não mais de forma planejada, como tentara com os dois irmãos, mas espontânea e cheia de vida.
Não demorou para que os impactos do AI-5 chegassem à Casa da Senhora H, dessa vez por meio de Anuskae do jovem gaúcho que estava perseguido e precisava de um abrigo, um refúgio longe da Capital. Muito tímido, ele quase não falava, aos poucos a escritora percebeu que era por conta de seu timbre muito agudo, voz de adolescente em transição. Era vergonha. Virgiano, artesão perfeccionista das palavras, gay assumido, coisa rara naqueles tempos, sobretudo para o filho de um Militar com quem não se dava nada bem, estava recente na pauliceia desvairada.
Esquerdista simpatizante, assinara alguns manifestos, participara de comícios e passeatas, mais para ver a atriz Norma Bengell em seus vestidos do Paco Rabanne, do que para protestar contra o Regime Militar, era verdade. Não chegara a ser preso, muito menos torturado, porque não era de seu feitio se envolver seriamente com nada, mas foi fotografado numa manifestação estudantil, fora procurado na redação da revista e estava em apuros, na mira da Polícia, perseguido pelo pessoal do DOPS.
Até amanhã, leitoras e leitores!
P.S.: A foto que ilustra a postagem provavelmente foi tirada por Dante, logo que Caio começou a viver na Casa do Sol. Créditos: Acervo do Instituto Hilda Hilst.
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