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TUDO MUDA


DIÁRIO DO ROMANCE #21/ 10 de fevereiro de 2020. De manhã, depois do café, momento de finalizar a redação de um parecer sobre relatório de atividades docentes de uma colega, reunião de câmara departamental à tarde, passo no supermercado na volta para comprar os ingredientes da #SopaDeSegunda, em casa respondo e-mails e reunião por telefone para decidir rumos de projetos. Decido fazer a sopa de uma vez para adiantar, na sequência um banho para reestabelecer energias, converso um pouco com Gabriel, brinco com a Grória. Que horas escrever, mesmo?

Valendo-me da máxima “escrever e coçar é só começar” e “escrever é insistir” sobre as quais discorri em outro diário, abro o computador, leio o diário de ontem, preparo-me para, pelo menos, dar um start. E, sim, ele veio. Olhei para a lista de capítulos publicada ontem, peguei a primeira versão impressa, mas o que me vem para escrever não é exatamente o que estava previsto (CAP. 60: OS PRIMEIROS RESIDENTES), mas em seu lugar concentro-me no personagem do Príncipe, o jovem Caio Fernando Abreu, tentando imaginar seus primeiros dias como residente da Casa do Sol, a partir de livros e relatos sobre ele, depoimentos pessoais, produção literária.

Talvez a sopa desta semana tenha me inspirado (depois vá ao meu instagram que a receita estará lá, na íntegra) a pensar sobre o viver longe de casa quando se é jovem, longe da família e dos amigos, e aventurar-se numa nova vida em outra cidade, em busca de realizações pessoais e profissionais. Quando criança, minha mãe fazia uma sopa de ervilhas para nós (acho que durante o inverno, provavelmente, pois em Lafayork faz frio), na qual acrescentava bacon e quebrava ovos para cozinharem ao final, é uma das minhas favoritas. Realizo que agora estou aqui em casa com meu companheiro e sua cachorra linda e amorosa, nossa família. São em gestos como esse que percebemos como a cozinha é também um veículo para o amor, lembro da minha mãe e dos meus irmãos, sinto saudade deles, ainda que esteja feliz onde estou.

Depois de tomar a #SopaDeSegunda, enquanto espiamos o BBB pela TV, fecho esse diário, compartilhando um pouco da escrivinhança de hoje, que se tornou de fato o CAPÍTULO 60, intitulado:

LONG AWAY FROM HOME. Habitando o quarto dos fundos na ala direita depois da dispensa, Príncipe vivia recluso, sofria de dores de alma e logo perceberiam essa marca. De outro lado, era extrovertido, piadista, e a convivência com a Senhora H mostrava-se frutífera para seu amadurecimento como escritor. Passava os dias entre leituras, sempre fumando, algumas vezes escrevendo, tendo sonhos e pesadelos, e ouvindo Erik Satie, que amava, na vitrola.

À noite, acompanhando a Poeta na sala na primeira rodada de uísque, compartilhava um pouco de sua história, tinha abandonado o curso de Letras e Artes Dramáticas e buscado carreira como jornalista na Capital paulista, o que lhe rendia uma grana, ele tão jovem vivendo longe de casa. Tinha pouca notícia dos pais que passaram a vir endereçados à caixa postal da Senhora H. De qualquer maneira, naquela altura, estava duro, sem trabalho, precisando dar um tempo para não ser encontrado pela turma do DOPS.

Como contrapartida pela casa, comida, roupa lavada e tempo para escrever, ele se tornou seu ajudante, uma espécie de secretário, organizando suas correspondências, atendendo aos agora telefonemas que insistiam em perturbar o silêncio, assustando os cachorrelhos. Voltaram a falar do Regime e a Senhora H confidenciou o episódio com os milicos, anos antes, da queima dos livros e pediu discrição, não queria se ver envolvida diretamente com nada. Queria sim, intervir, fazer pensar, denunciar, mas seria através do teatro.

Enquanto falava, a Senhora H acariciava a vira-lata Flika já apaixonada pela sua nova dona, ainda que provisória. Contou ela que trabalhava em O Verdugo, em que o protagonista de mesmo nome deve enforcar um Homem, esse uma nova leitura do arquétipo do herói sacrificado e injustiçado de O auto da barca de Camiri, aquele que poderia ser Che Guevara ou o Cristo. Entretanto, o Verdugo acredita que o acusado é inocente e está hesitante. Príncipe revelou que gostava de teatro, queria voltar a fazê-lo, desejava escrever peças e que estava impressionado com o que estava ouvindo de sua produção. Então, debaixo da luz dos lampiões, a escritora pediu que Príncipe lesse em voz alta algumas páginas do dia.

Até amanhã, leitoras e leitores!

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