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Meus dois filhotes


Tornei-me escritor profissional primeiro pela dramaturgia e depois pela pesquisa acadêmica, que me rendeu, entre outras coisas, a publicação de dois importantes trabalhos, meus dois filhotes que me enchem de orgulho: “Narrativas em cena: Aderbal Freire-Filho (Brasil) e João Brites (Portugal)”, pesquisa de Doutorado na Unirio e publicada em 2015 pela Móbile Editorial em parceria com a FAPERJ, e o primogênito “O fluxo metanarrativo de Hilda Hilst em ‘Fluxo-floema’” (2010), resultado da Dissertação de Mestrado na PUC-Minas e publicado pela Ed. Annablume em 2010. São filhotes muito estimados e queridos, importantes na minha trajetória e que sempre me proporcionam muitas alegrias. Obrigado aos editores que confiaram e acreditaram neles!

Assim como fazia com meus romances “amadores” da adolescência, para eles também me permiti criar as capas e construir certa irmandade. Tiveram seus lançamentos oficiais, manhãs e noites de autógrafo (o caçula ainda teve a honra de uma sessão no Rio), sempre com amigos e leitores queridos que, presentes, foram prestigiar. São estudos que promovem interlocução entre a Literatura, o Teatro e a Comunicação e, por mais que tenham um público específico, torço para que sejam úteis para outros pesquisadores e artistas.

Como bom pai, quero que alcem voos, alcancem territórios, viajem para outras searas e encontrem novos leitores e destinos. Mas, uma questão é inevitável: muitas vezes não sei por andam esses filhos, às vezes chegam notícias de que alguém está lendo, uma mensagem, um e-mail. Essa é uma tristeza, não saber por onde estão e com que estão os rebentos. Por outro lado, se hoje a distribuição e a divulgação se tornaram mais eficientes com a internet , ambos podem ser adquiridos em livrarias virtuais e sites. Às vezes em buscas no Google descubro que estão presentes em outros trabalhos e dialogando com outros leitores, oba! Ei-los!

Narrativas em cena: Aderbal Freire-Filho (Brasil) e João Brites (Portugal) versa sobre adaptações de textos literários para o teatro, pesquisa que venho empreendendo há muitos anos como dramaturgo e encenador em vários espetáculos. Através de referencial teórico, faço uma análise dos processos de criação e de trabalhos de dois grandes dramaturgos e encenadores Aderbal Freire-Filho e João Brites, por quem tenho profunda admiração.

O estudo investiga um teatro narrativo e performativo que toma como matéria cênica e dramatúrgica obras a priori destinadas à leitura individual e silenciosa, transportando-as para a linguagem verbal, sonora e visual do teatro, em que o ator é o eixo principal da comunicação dessa textualidade com o espectador. Parto dos conceitos de “escrita cênica”, “dramaturgia rapsódica” e “teatro narrativo-performativo” para compreender procedimentos e operações de dramaturgia, atuação e encenação no trabalho com textos narrativos, que passam pela pesquisa, experimentação em coletivos de criação e consequente reflexão de seus respectivos encenadores.

Aderbal Freire-Filho, consagrado encenador brasileiro, criou a linguagem do romance-em-cena, cuja proposta original é levar ao palco o texto do romance em sua integralidade de escrita (da primeira à última página) para ser falado, interpretado e encenado. A pesquisa concentra-se na sua trilogia, formada por “A mulher carioca aos 22 anos”, romance de João de Minas, “O que diz Molero” do português Dinis Machado e “O púcaro búlgaro de Campos de Carvalho”.

Buscando uma contraposição e uma ampliação da pesquisa sobre os modos de se fazer teatro narrativo, fui apresentado por Maria Helena Werneck, minha orientadora, ao português João Brites do Teatro O Bando, encenador de extrema relevância nesse campo, ainda pouco conhecido no Brasil. Artista plástico, cenógrafo, dramaturgo, encenador e fundador do grupo, sua principal matéria dramatúrgica são textos não escritos para o teatro (contos, romances, poemas, textos etnográficos e históricos), dos quais foram escolhidos os que se originaram de romances: “Gente feliz com lágrimas”, de João de Melo, “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago e “Jerusalém”, de Gonçalo M. Tavares. Para isso, tive a felicidade e a oportunidade de estar durante seis meses em Portugal para contato com o diretor e seu grupo, uma experiência inesquecível, que redimensionou para mim nossas relações com uma de nossas principais matrizes culturais.

Minhas experiências de criação nesse campo influenciaram sobremaneira a pesquisa, inclusive nas atualizações para a publicação: “EuCaio” (Matheus Soriedem), “Marilyn Monroe.doc” (Grupo Dois Palitos), “#tudodenós (Cia Pierrot Lunar/ Pierrot Teen), “Acontecimento em Vila Feliz”, “Sexo” e “Atrás dos olhos das meninas sérias” (Cia Pierrot Lunar), “Do desespero de se contar uma história ou Da arte de ser um unicórnio” (Mutanti) e “A Confissão de Leontina” (Grupo Pannus Finis).

O livro teve lançamento em dezembro de 2015 em Belo Horizonte na Livraria Quixote e no Rio de Janeiro na Blooks Livraria de Botafogo. A Orelha é da atriz e professora Nara Keiserman (Unirio), com quem também convivi em Lisboa e acompanhou meu estágio lá, e Prefácio da professora Maria Helena Werneck, para quem “Diante de tanta inquietude e inteligência nas cenas contemporâneas do Brasil e de Portugal, o autor não parece exausto ao término do livro. Afinal, através de pesquisa acadêmica, alimentou-se de referências estéticas, ampliou sua rede de afinidades eletivas”.

O fluxo metanarrativo de Hilda Hilst em "Fluxo-floema" estuda o primeiro livro de prosa ficcional da escritora, publicado em 1970, depois de sua larga experiência poética e também dramatúrgica. Inspirada principalmente por Jorge Luis Borges, James Joyce e Samuel Beckett, Hilda começa a construir seu fluxo verbal narrativo, que vai definir sua prosa, muitas vezes por meio de um alter-ego de escrita, daí o caráter metanarrativo dos textos. “Fluxo-Floema” reúne cinco ficções: Fluxo, Osmo, Lázaro, O Unicórnio e Floema, ainda que não escritas nessa ordem. A motivação para investir num novo gênero literário foi “O Unicórnio”, resultado de uma história pessoal. Aliás, Hilda sempre comentava em entrevistas que escrevia sobre o que conhecia, sobre o que vivia e as pessoas com quem estava. Em alguns de seus textos, essa autoreferencialidade é mais ou menos evidente, incidindo em graus variados de ficcionalização de si.

Na pesquisa, faço um panorama da vida e carreira da autora, informações preciosas para que o leitor conheça melhor seu perfil e os traços gerais de seu trabalho. Abordo a maneira como Hilst, metanarrativamente, compõe personagens-escritores, através de uma narrativa de “primeira pessoa protagonista” para tentar elucidar os mistérios do ofício autoral e o modo como estrutura seu texto. Há investigações também sobre a multiplicidade de vozes no seu discurso, seus personagens fragmentados e a utilização de imagens poéticas para suprir determinadas deficiências expressivas da linguagem.

Em seguida, “Fluxo-floema” é analisado de uma maneira geral com destaque para as ficções “Osmo”, “Fluxo” e “O Unicórnio”. Essas narrativas são histórias aparentemente independentes, mas que se cruzam no ponto da criação literária e da luta do autor com a linguagem, que não consegue expressar integralmente a experiência do humano. Hilda Hilst tenta refazer sua trajetória de escritora e, ao mesmo tempo, questionar seu processo criativo, à medida que inventa personagens-escritores que, também eles, buscam recriar o mesmo processo.

O livro, lançado em Belo Horizonte em 24 de abril de 2010 na Livraria Quixote, tem Prefácio da poeta e professora Cristiane Grando, Doutora em Literatura (USP) e a Apresentação ficou ao encargo de Suely de Paula e Silva Lobo, Professora Titular da PUC-Minas, Doutora em Literatura Comparada (UFMG) e orientadora da pesquisa. Segundo Suely, o “mérito maior da publicação de O fluxo metanarrativo de Hilda Hilst em Fluxo-floema encontra-se na qualidade da leitura desenvolvida por Juarez Guimarães Dias. (...) A técnica vertiginosa de Hilda Hilst, geradora de multiplicidades e de complexidades, torna-se, na leitura de O fluxo metanarrativo..., mais acessível ao leitor iniciante e mais desafiadora ao leitor experiente”.

Agora, preparo o terceiro livro, o primeiro de ficção, o romance “A Casa da Senhora H”, sobre a Casa do Sol da escritora Hilda Hilst, para o qual ganhei o Prêmio Funarte/ Biblioteca Nacional 2012 e que este ano chega à versão final! Todo o processo de finalização e publicação será compartilhado aqui. Volte sempre!

Boa semana, boas leituras!

Próximo texto (16/08): Autoficção e performance em redes sociais

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