16 ANOS SEM HILDA HILST
DIÁRIO DO ROMANCE #15 4 de fevereiro de 2020. 16 anos em que a Poeta deve estar em Marduk junto a seus amigos também falecidos, junto ao Mora Fuentes, seu pai e sua mãe, será que se encontrou com Kafka, como tanto desejava? Será que já viu o rosto de Deus, o Grande Obscuro? Será que olha por nós? O que pensaria de tudo o que estamos vivendo? Diante da infinitude, do cosmos, parecerão pequenas agora nossas agruras, nosso sofrimento? As perguntas sobre a vida e a morte conduziram sua vida, seu trabalho, e é o enigma que move tantos de nós, além de artistas, escritores, filósofos e intelectuais. Enquanto sigamos procurando compreensão, buscando em tantos lugares o consolo e a esperança, deixo aqui minha homenagem, um trecho do capítulo 10, extraído da segunda parte do romance intitulada “O ROMANCE DA CASA”:
10
A MORTE CHEGA PARA TODOS. Outro ano correu no calendário, quando o Senhor A recebeu logo cedo do dia 4 de fevereiro de 2004 o telefonema inesperado de um querido amigo que lhe trazia a má notícia: acabara de ler no jornal que Hilda Hilst falecera, naquela madrugada, pela falência múltipla dos órgãos aos 73 anos. O escritor sem leitores sabia de seu mal estado de saúde, vinha acompanhando com Mora Fuentes as notícias por e-mail, vez ou outra uma ligação. A Poeta tinha sofrido uma queda, em casa e fraturado o fêmur e há mais de um mês seguia internada no hospital da Universidade.
Sentiu forte o baque, certificou-se de que era real, porque nunca se espera pela morte de uma pessoa querida, aliás não se quer esperar pela morte de ninguém, nem dos desacreditados, nem dos enfermos terminais, espera-se sempre que a vida haja de vencer a morte e ganhar um dia de cada vez, soberana senhora do tempo. Pensou o quanto a vida era cara para ela, o quanto tentou se certificar da imortalidade da alma, o quanto se dedicou a provar que a existência não podia ser finita. Olhou o relógio: qual resposta já teria ela agora, que estava morta? O fato é que não saberia, o único sabido é que não se encontrariam mais nessa existência. Chorou por dentro.
Tentou se concentrar para o trabalho, precisava chegar à sala de aula, quem sabe ali encontraria conforto? Ainda que se conhecessem recentemente, para o escritor sem leitores (e ele acreditava que era recíproco) ela era uma amiga, uma amiga especial e por quem tinha acentuada admiração. Concluiu que não poderia sair de Curral para ir ao enterro, avião era muito exorbitante e de ônibus não daria tempo. Queria se despedir, estar com os amigos Mora, Olga e Daniel.
Aceitou a impossibilidade da presença, enviou um e-mail para os amigos e dedicou o dia a ela, lendo seus textos em voz alta, incrédulo e emocionado. Desse dia em diante, em todos os anos que estiver vivo, quando amanhecer o dia 4 de fevereiro, o Senhor A recordará a ocasião logo ao acordar e vai dedicar o dia em homenagem à Poeta, imortal na obra que dedicou a vida a construir, um legado para o país, para as letras, para o mundo:
Te batizar de novo. E nomear um traçado de teias E ao invés de Morte Te chamar Insana Fulva Feixe de flautas Calha Candeia Palma, por que não? Te recriar num arco-íris Da alma, nuns possíveis Construir teu nome E cantar teus nomes perecíveis: Palha Corça Nula Praia Por que não?
(Da Morte. Odes Mínimas, 1980)
Até amanhã, leitoras e leitores! Leiam Hilda!
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